segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Transbordando...

Nunca fui de chorar por qualquer coisa. A vida nunca foi fácil pra mim, o que me tornou forte. No entanto, de uns meses para cá, o choro vem repentinamente, a qualquer hora e em qualquer lugar. Há algo errado. Sinto que andei ignorando sentimentos, principalmente referentes à morte da minha mãe, e que houve um acumulo deles. Agora me sinto transbordando. Literalmente. Não cabe mais nada em mim e as lágrimas descem como que tentando me esvaziar porque cheguei ao limite. Hora de recorrer à terapia. O que ando escondendo? Algumas coisas, de tanto pensar, acho que já consegui processar. Por exemplo: * Eu não tive culpa. Embora não me saia da cabeça o último olhar que cruzei com a minha mãe, lá dentro do cinema. Não conseguimos sentar ao lado uma da outra, ela sentou praticamente na outra ponta da fileira em que estávamos e em algum momento durante o filme, olhei para ela e cruzamos um olhar. Ela estava séria, mas não fez nenhum sinal, não me fez entender que algo acontecia. Isso se algo acontecia. Não sei. Na saída do cinema ela parecia bem. Disse que ia andando na frente porque ia fazer pastel e perguntou se eu ia para a casa dela. Disse que sim, estava apenas aguardando a mãe da coleguinha da minha filha ir buscá-la e que em seguida ia pra lá. Foi a última vez em que nos falamos. * Eu não devia ter me dopado. Devia ter vivenciado aqueles momentos de dor lúcida, para sentir o que eu tivesse que sentir naquele momento. Os calmantes me fizeram suportar tudo em compensação, quando o efeito passou, eu senti tudo de forma muito confusa. Um misto de realidade com o que eu me lembrava, no entanto sem saber a legitimidade daquilo que estava sentindo. É confuso, eu sei. * A sensação de desamparo tão esmagadora na realidade não faz sentido. Há muito tempo eu não contava mais com o amparo da minha mãe. Digo amparo emocional. Ela era contra meu casamento ( nem foi no cartório no dia em que me casei), usava tudo o que eu contava contra meu marido depois, para ofendê-lo ( se eu contasse sobre nossas dificuldades financeiras por exemplo), ela era muito nervosa então eu evitava preocupá-la. Estava tudo sempre bem na minha vida. Por pior que eu estivesse, estava sempre bem. Falávamos sobre amenidades apenas. Receitas, novelas, filmes, programas de tv, frio, calor... A barra pesada eu tinha que suportar sozinha. O colinho de mãe, eu não tinha. Não podia ter. Se ela soubesse de como eu me sentia, de tudo que se passava, teria morrido antes. Então essa sensação de desamparo que sinto não faz o menor sentido. * A saudade... Se eu for parar para me lembrar de fato quem era a minha mãe, eu acabo concluindo que não tenho do que sentir saudade. Claro que eu amo a minha mãe. Não vou dizer que amava porque foi ela quem morreu. O que eu sinto por ela só vai se findar quando eu morrer. Então eu amo a minha mãe. Mas, puxando pelas minhas memórias desde a infância... Ela nunca foi uma pessoa fácil de se amar. Amar pessoas fofas, simpáticas e dóceis é fácil certo? Pois a minha mãe sempre foi o oposto disso. Ainda assim eu tentei até o último dia fazer com que enxergasse a vida e as pessoas com outros olhos. Esse remorso eu não tenho. Sempre mostrava para a minha mãe o outro lado das situações. Ela tinha mania de perseguição. Sempre que algo desfavorável a ela acontecia, ela achava que alguém a estava prejudicando de propósito. Isso em tudo. Nas situações mais banais do dia dia. Minha mãe era preconceituosa também. Preconceito racial. No entanto era de forma bem mascarada. Ela não destratava ninguém, mas se sentia superior. Isso ficava nítido. E muito do desgosto dela em relação ao meu casamento, é porque o meu marido é negro. Então, como eu disse, a saudade que sinto não é de quem ela foi. É saudade da minha mãe. Da figura materna. É aquela agonia de saber que a pessoa que me gerou, que me colocou no mundo, que me apresentou a ele, não está mais aqui dividindo esse mesmo espaço comigo. Me deixou sozinha. A minha origem não existe mais. * Sobre a morte: Dizem que é natural né? Eu já tentei pensar assim. Que o espaço físico do planeta é limitado, que é preciso que alguns morram para que outros possam nascer, que se ninguém morresse o planeta não comportaria mais pessoas, não haveria renovação, não haveria desenvolvimento e etc, etc, etc. Já tentei até pensar da forma bíblica: " Viemos do pó e ao pó voltaremos". Mas não dá. Não dá para achar natural conviver com uma pessoa, ter com ela laços tão profundos e aceitar que ela deixe de existir assim tããão naturalmente. Ela me fez, me gerou, me pariu, me alimentou, me educou, me ensinou tantas coisas, tivemos tantos momentos ( bons, ruins, engraçados, difíceis, de cumplicidade, de brigas), ou seja, toda uma história de vida, e aí um dia ela vai ao cinema assitir ao filme que fizeram do nosso desenho favorito ( A bela e a Fera), sai dizendo que ia pra casa fazer pastel, eu fico em frente ao cinema por mais alguns minutos, depois passo numa farmácia, e mais a frente me deparo com ela caida no chão, cheia de gente em volta, aí chega os bombeiros, hospital, 1 semana de angustia e por fim, morre. Mas como assim???? E não acaba aí. A pessoa morre, mas eu tive que voltar ao apartamento dela, encarar todas aquelas coisas sem ela, decidir o que fazer ( a imobiliária me pressionando para desocupar), e eu tendo que naquele momento de dor, confusão mental, um misto de sentimentos, me desfazer do apartamento , doar coisas, remexer em tudo, roupas, documentos...enfim, é o pior momento da vida. Não... provavelmente perder um filho é pior. É tudo isso que eu disse sem as partes ruins, porque na situação inversa acho que as mães não enxergam o lado ruim dos filhos. O amor é infinitamente maior e mais complexo. Meu coração se compadece por todas as mães que já perderam um filho. Mas voltando ao assunto... é isso. É difícil, é complicado. A morte só é simples na teoria de quem nunca perdeu alguém. E aí, é que vem a parte mais complicada da minha situação: Tudo isso que eu disse acima, é o que eu já consegui processar. É a parte que eu compreendo. Maaaas,ainda assim, o choro transborda. O que mais tem aqui que eu ainda não consegui compreender/aceitar? Só Deus sabe e só a minha terapeuta poderá me ajudar. Por enquanto, valeu muito o desabafo. Se alguém passar por aqui, me perdoem por não estar retribuindo as visitas e pela ausência do blog. É passageiro. Prometo.